O fact-checking e as etiquetas (de novo)

Taís Seibt
3 min readSep 5, 2019
Imagem de rawpixel por Pixabay

A complexidade das checagens pode afastar o “leitor médio” do fact-checking, ao invés de ajudá-lo. Textos explicativos, geralmente longos, com muitas referências não são para qualquer usuário de mídias digitais.

Entrei numa conversa sobre fact-checking e etiquetas no LinkedIn semana passada e fiquei com vontade de escrever de novo sobre isso. Eu já tinha escrito sobre etiquetas e fact-checking aqui. Na tese, esse foi um tópico problemático. Na Afonte, alternativas às etiquetas pautam a discussão de protocolos de verificação da nossa iniciativa (ainda em fase de estudo), o que vale também para cursos como este, que vai para a terceira edição na Cásper Líbero agora em setembro. É que na tentativa de explicar direitinho, às vezes as etiquetas acabam complicando a comunicação das checagens.

A conversa da semana começou com um post deSérgio Lüdtke, editor do Projeto Comprova, destacando como um conteúdo de checagem pode ser didático sobre o processo de verificação. Ele compartilhou uma checagem que desbancava uma foto amplamente compartilhada como sendo de matança de baleias na Noruega. Não era. A matança era real, mas tinha ocorrido em território dinamarquês. Como a foto era íntegra, não havia manipulação ou adulteração na imagem, a tag atribuída pelo Comprova foi “contexto errado”.

O jornalista Paulo Serpa Antunes, editor da newsletter Matinal, comentou no post, questionando se a tag dava conta. “Não poderia ser ‘FALSO’? É falso que estas baleias foram mortas na Noruega”, argumentou. Lüdtke reforçou que a foto em si não era falsa, o que estava errado era o contexto. Nesta outra checagem do Comprova, foram usadas duas tags: “falso” e “contexto errado”. Nesse caso, havia uma informação mentirosa associado a uma imagem fora de contexto.

Tudo isso está devidamente explicado nas checagens. Dá para compreender a explicação técnica da classificação, que é muito precisa e correta. Porém não estou certa de que é eficiente para comunicar a desinformação — e frear o compartilhamento de peças equivocadas.

A complexidade das checagens pode afastar o “leitor médio” do fact-checking, ao invés de ajudá-lo. Textos explicativos, geralmente longos, com muitas referências não são para qualquer usuário de mídias digitais. Esse tipo de verificação não responde à desinformação nem em alcance nem em linguagem — e a linguagem é fundamental para o alcance das mensagens. Estão aí os memes para exemplificar.

Um ano atrás, quando levantei a reflexão sobre as etiquetas, até joguei contra, considerando que dar contexto às informações era um dos principais méritos do fact-checking. E continuo achando que é. Boa parte dos conteúdos “fake” não são mentiras deslavadas, são dados ou imagens retirados de contexto. Só que no fim das contas apenas uma minoria de usuários de mídia digital vai tão fundo — em todos os conteúdos, não só nas checagens. As etiquetas, então, facilitariam a compreensão imediata do leitor, comunicando qual a imprecisão presente no conteúdo checado.

Mas será que essa preocupação de esclarecer qual a imprecisão identificada pelos checadores não acaba por atenuar uma desinformação? “Contexto errado” é uma tag à altura do estrago que uma foto fora de contexto com uma chamada sensacionalista pode causar no debate público?

Ainda que não seja tecnicamente falso, porque não houve adulteração da imagem, o conteúdo que usa uma imagem íntegra fora do contexto original não deixa de ser enganoso. Aliás, “enganoso”, no lugar de “falso”, me ocorre como alternativa para taguear peças de desinformação de forma genérica, porém direta, ficando a critério do leitor mais exigente buscar o detalhamento do que há de errado naquela (des)informação.

Para concluir, etiquetar ainda é a melhor alternativa. Vários estudos indicam isso. Na edição passada da newsletter do Farol Jornalismo, temos dois exemplos de pesquisas, uma de Ohio e outra da Califórnia, que destacam a importância de sinalizar os conteúdos, até mesmo os de humor. O que ainda está por aperfeiçoar é quais etiquetas usar.

Mas é preciso estudar melhor como os usuários de mídias digitais decodificam as etiquetas usadas pelos fact-checkers, em especial no contexto brasileiro. Não dá para simplesmente reproduzir boas práticas de agências e de pesquisas de fora, precisamos entender melhor o nosso contexto de desinformação.

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Taís Seibt

Jornalista diplomada, doutora em comunicação, amadora de vôlei e cantora nas horas vagas